Jurisprudência comentada – Pagamento por química

Olá!! Confira mais uma Jurisprudência comentada. Trata-se da expressão “Pagamento por química”, utilizada no contexto de fraudes em compras públicas, em licitações e contratos administrativos. Bons estudos!


DIREITO ADMINISTRATIVO / LICITAÇÕES E CONTRATOS
DIREITO FINANCEIRO / DESPESA PÚBLICA

PAGAMENTO POR QUÍMICA

Tal prática, conhecida no jargão da engenharia como ‘química’ consiste na realização de pagamentos de serviços novos, sem cobertura contratual, fora do projeto originalmente licitado, utilizando-se para faturamento outros serviços, estes sim, constantes da planilha de preços original, sem a respectiva execução destes últimos, para futura compensação. Trata-se, evidentemente, de irregularidade gravíssima. Tal prática afronta diversos preceitos legais, tais como o art. 60 da Lei 8.666/1993 (art. 89 da Lei 14.133/2021) e o art. 63, § 2º, da Lei 4.320/1964.

A prática do “pagamento por química” implica, em síntese, a utilização de serviços previstos em contrato, porém não executados, para dar cobertura à suposta execução de outros serviços ou, ainda, a supostas aquisições sem amparo contratual, sendo considerada irregularidade grave, porquanto consubstancia:
i) afastamento indevido da licitação (art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal);
ii) crime de falsidade ideológica (art. 299 do Decreto-Lei 2.848/1940);
iii) crime de fraude (art. 96 da Lei 8.666/1993 -> art. 337-L do Código Penal); e
iv) pagamento de serviços não executados e não liquidados, em afronta à Lei 4.320/1964.

A não comprovação, por meio de documentação idônea, da efetiva realização dos serviços e/ou das aquisições levadas a efeito no “pagamento por química”, bem como do necessário e imprescindível nexo de causalidade entre o desembolso e a origem da verba, enseja dano ao erário.

A expressão ‘química’ se refere a fraudes em compras públicas, com emissão de empenhos para aquisições fictícias ou fornecimento de uma mercadoria por outra ou até mesmo desvio de dinheiro público. Esse tipo de fraude é praticada sobretudo em relação a serviços e compra de materiais de consumo que não são incorporados formalmente por meio do registro de patrimônio, dificultando sua apuração.

O jargão foi utilizado pelo Ministro Marcos Bemquerer. Segundo registra o julgador:

De acordo com o Ministério Público Federal, a prática é tão grave, que pode envolver, conforme o caso, com variações, até quatro crimes: fraude em licitação, falsidade ideológica (uma vez que a prática de ‘química’ pressupõe a inserção de declarações falsas, divorciadas da realidade, em notas de empenho, notas fiscais e documentos de atestação de despesas) , dispensa indevida de licitação e apropriação do dinheiro por agentes públicos ou o seu desvio em proveito próprio ou alheio.

Veja-se que a realização da ‘química’ fulmina a transparência na execução da obra e faz com que eventuais alterações contratuais também sejam fictícias, pois a não correspondência entre os serviços da planilha orçamentária e os efetivamente executados inviabiliza o cotejamento destes com as medições e pagamentos realizados.

Nesse sentido:
● Acórdão TCU 2140/2021-Plenário, Sessão 15/9/2021, Rel. Mins Marcos Bemquerer.

Cabe registrar que, com a entrada em vigor da Lei 14.133/2021 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos), em 1º/4/2021, houve a revogação imediata da Sessão III (dos Crimes e das Penas), do Capítulo IV, da Lei 8.666/1993.

A nova lei optou por regulamentar os Crimes em Licitações em Contratos Administrativos dentro do próprio Código Penal. Assim, em seu art. 178, a Lei 14.133/2021 acrescentou o Capítulo II-B (arts. 337-E a 337-P) ao Título XI da Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).

O crime de Fraude em licitação em contrato agora está tipificado no art. 337-L do Código Penal.

Código Penal
Art. 337-L. Fraudar, em prejuízo da Administração Pública, licitação ou contrato dela decorrente, mediante:
I – entrega de mercadoria ou prestação de serviços com qualidade ou em quantidade diversas das previstas no edital ou nos instrumentos contratuais;
II – fornecimento, como verdadeira ou perfeita, de mercadoria falsificada, deteriorada, inservível para consumo ou com prazo de validade vencido;
III – entrega de uma mercadoria por outra;
IV – alteração da substância, qualidade ou quantidade da mercadoria ou do serviço fornecido;
V – qualquer meio fraudulento que torne injustamente mais onerosa para a Administração Pública a proposta ou a execução do contrato:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) anos a 8 (oito) anos, e multa.